Cultura

História da Música Sertaneja

História da Música Sertaneja

Por: Viola Show l Fonte: A História - Ribeirão Preto - SP

01/08/2013

O termo sertanejo, do qual a expressão música sertaneja deriva, significa o habitante do sertão nordestino, isto é, a região seca do Nordeste brasileiro. Entretanto, o gênero Música Sertaneja, se refere atualmente não à música da região sertaneja, mas à música originalmente produzida e consumida na área cultural caipira, localizada ao Sul da área sertaneja. É comum o movimento de pessoas do Nordeste em direção a São Paulo por ocasião das secas muito intensas, para retomar quando volta a chover no sertão. Algumas pessoas fazem este percurso de ida e volta para São Paulo diversas vezes, enquanto outras se instalam em algum ponto da rota. A música também viaja nas duas direções. Os cantadores nordestinos levam para São Paulo a sua voz áspera, cantando como bardos medievais, cantigas épicas, e improvisando duelos musicais nas praças e quartas feiras. O que é mais evidente acusticamente ao examinarmos a trajetória da música sertaneja no Brasil é:
1- A crescente internacionalização do gênero pela incorporação de ritmos e roupagens, da moda de viola à balada, da sonoridade caipira ao som orquestral por um lado.
2 - A coexistência de modos de produção artesanal e industrial na produção e consumo local e comunitário ao lado da construção de modelos padronizados e de consumo massivo por outro

A pesquisa etnográfica acrescenta dados que podem sugerir novas possibilidades de leitura de um quadro que poderia se chamar de “local globalizado” para usar uma expressão de Néstor García Canclini. Como descrevemos abaixo, na música sertaneja se articulam elementos híbridos, procedentes da indústria musical transnacional com estilos de desempenho tradicionais. No entanto, enquanto os ritmos e arranjos se atualizam, o estilo vocal e caráter épico narrativo das letras permanecem.Quando voltam de São Paulo, costumam levar para o sertão, rádios e um repertório de modas-de-viola, que aprenderam com trabalhadores paulistas que tinham também migrado, mas da zona rural do estado, em busca de melhores condições de vida. A expressão música sertaneja se tornou conectada à música de todos estes migrantes, incluindo o migrante nordestino e o migrante caipira. Outra rota de migração que influenciou muito a trajetória da música sertaneja foi o circuito dos circos, que faziam temporadas por todo o interior da zona caipira, adentrando-se pelo Paraguai, e absorvendo em seu repertório músicos, instrumentos e a música paraguaia (a harpa, a polca paraguaia e a guarânia). O circo era um dos locais privilegiados para a performance da música caipira, pois sempre abria espaço para a apresentação de artistas locais nos seus espetáculos; muitos artistas de música sertaneja começaram suas carreiras se apresentando nos circos itinerantes. Outros espaços para performance eram a abertura de shows de outras duplas e a apresentação ao vivo em rádios AM, até que surgisse a possibilidade de profissionalização com a gravação em disco.A música sertaneja surgiu em 1929, quando Cornélio Pires começou a gravar “causos” e fragmentos de cantos tradicionais rurais da região cultural caipira. Na época conhecido como música caipira, hoje denominado música sertaneja, o gênero se caracteriza pelas letras com ênfase no cotidiano e maneira de cantar. Tradicionalmente a música sertaneja é interpretada por um duo, geralmente de tenores, com voz nasal e uso acentuado de um falsete típico, com alta impedância e tensão vocal mesmo nos agudos que alcança, às vezes, a extensão de soprano. O estilo vocal se manteve relativamente estável, desde suas primeiras gravações, enquanto a instrumentação, ritmos e contorno melódico gradualmente incorporaram elementos estilísticos de gêneros disseminados pela indústria musical. Estas modificações de roupagem e adaptações no conteúdo temático anteriormente rural e agora urbano consolidaram o estilo moderno da música sertaneja, que nos anos 80 se torna o primeiro gênero de massa produzido e consumido no Brasil. Os estilos tradicionais e modernos convivem e dividem o espaço de consumo, músicos “de raiz” como Pena Branco e Xavantinho atuando nos circuitos de sala de concerto e shows universitários enquanto Leandro e Leonardo se apresentam em feiras e shows massivos.A história da música sertaneja pode ser dividida em três fases, levando em consideração as inovações que vão sendo introduzidas no gênero. De 1929 até 1944, como música caipira ou música sertaneja raiz; do pós-guerra até os anos 60, numa fase de transição; e do final dos anos 60 até a atualidade, como música sertaneja romântica. Na primeira fase os cantadores interpretavam modas-de-viola e toadas, canções estróficas que após uma introdução da viola denominada “repique” falavam do universo sertanejo numa temática essencialmente épica, muitas vezes satírico-moralista e menos frequentemente amorosa. Os duetos em vozes paralelas eram acompanhados pela viola caipira, instrumento de cordas duplas e vários sistemas de afinação (como cebolinha, cebolão, rio abaixo) e mais tarde também pelo violão. Artistas representativos desta tendência, mesmo que gravando em época posterior, são Cornélio Pires e sua “Turma”, Alvarenga e Ranchinho, Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha, Pena Branca e Xavantinho.A fase moderna da música sertaneja inicia-se no final dos anos 60 com a introdução da guitarra elétrica e o chamado “ritmo jovem”, por Leo Canhoto e Robertinho. O modelo é a Jovem Guarda, sendo que um de seus integrantes, Sérgio Reis, começa a gravar o repertório tradicional sertanejo, contribuindo para a penetração mais ampla do gênero. Nesta modalidade de música sertaneja os cantores alternam solos e duetos para apresentar canções, muitas vezes em ritmo de balada, que tratam principalmente de amor romântico, de clara inspiração urbana. Algumas canções classificadas como sertanejas nas paradas de sucesso são às vezes interpretadas totalmente por solistas dispensando o recurso tradicional da dupla. Os arranjos instrumentais dessas músicas adicionam instrumentos de orquestra além da base de rock, já incorporada ao gênero. Artistas representativos desta última tendência são:  Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Christian e Half, Trio Parada Dura, Chico Rei e Paraná, João Mineiro e Marciano, Nalva Aguiar e Roberta Miranda.O que fica mais aparente numa análise estritamente “musical” da música sertaneja é esta modernização na incorporação de ritmos e instrumentos além da mudança, aparentemente radical, da temática rural para a temática urbana, como podemos observar nos trechos transcritos acima. No entanto, ao pesquisarmos o público constituinte da música sertaneja – seus aficionados e especialistas – passamos a ter uma ideia um pouco diferente do seu significado estético: O que torna a música sertaneja de boa qualidade para seus aficionados não são melodia, harmonia, ritmo, instrumentação ou forma, categorias musicológicas usuais para a análise da música popular, mas, principalmente, o estilo vocal dos cantores no que chamam de “voz”, além da relação letra-música. A unidade estilística da música sertaneja é conseguida pelo uso consistente do estilo vocal tenso e nasal e pela referência temática ao cotidiano, seja rural e épico na música sertaneja raiz, seja urbano e individualista na música sertaneja romântica. Deste modo podem ter qualidade tanto Tonico e Tinoco ou Pena Branca e Xavantinho quanto Chitãozinho Xororó ou Leandro e Leonardo, pela habilidade que demonstram em lidar com suas vozes dentro de um estilo específico, e pela coerência interna das letras que remetem a um cotidiano histórico.

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