Cultura

A origem da palavra

A origem da palavra "Caipira"

Por: Viola Show - Ribeirão Preto - SP

09/08/2013

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrado a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma:  “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso tem a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. “Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”. De uma forma geral, as definições acima demonstram o quanto é variada a ideia do que é “caipira”. Dependendo do ponto de vista do autor, encontra-se já arraigado em seu repertório o tom pejorativo, ou não. Câmara Cascudo faz uma definição partindo de um ponto de vista urbano, de quem não vive essa realidade rural, e julga a realidade urbana melhor. É uma visão “urbano centrista”. A crítica feita por Robert W. Shirley a essa visão “urbano centrista”, demonstra que existe uma visão estereotipada por parte daqueles que nascem na cidade. O interessante na definição de Shirley é reconhecer a distinção cultural do povo brasileiro. Quando ele diz “cultura distintiva” nota-se sua percepção em relação à pluralidade cultural comentada por Alfredo Bosi. O caipira tem sua cultura, tradição, crenças, enfim, é rico no que diz respeito à manifestação de seus anseios e modo de vida. Shirley enxergou isso. Em sua colocação, entende-se que o caipira tem seus próprios valores, os quais não são melhores nem piores, e sim reflexos humanos em seu habitat. O preconceito existe. A própria definição do Dicionário Aurélio (uma das principais fontes de consulta do nosso povo) é preconceituosa quando diz que caipira é “particularmente de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Essa definição cria na cabeça das pessoas o estereótipo de uma figura portadora de boçalidade e falta de modos, quase insinuando que a falta de instrução escolar seja sinônimo de falta de educação.Inezita Barroso, cantora e apresentadora do programa “Viola Minha Viola”, explica e compara o preconceito em relação à definição de caipira:

“Como o caipira ficou um termo pejorativo, durante muito tempo todo mundo tinha vergonha de ser caipira. Por quê? Porque não era realmente o significado da palavra, que é o homem do interior. Então, o caipira era uma mulher mal vestida, era um cara doente, sem dente, descalço”. Cornélio Pires visualiza o caipira como alguém situado em uma região e influenciado pelas características deste modo de vida. Vincula o étimo da palavra caipira ao trabalho, quando diz que o caipira é sempre lavrador e com isso cria uma imagem que condiz com o real. Muito do preconceito que hoje existe em relação a ligações com a palavra caipira surgiu das primeiras obras que retratavam o povo brasileiro, mais especificamente o paulista. Autores como Saint Hilaire - em Viagem à Província de São Paulo - e Monteiro Lobato - em Urupês, e com o personagem Jeca Tatu - criaram a ideia de que o caipira era um ser “à margem”, como escreve Carlos Rodrigues Brandão em “Os caipiras de São Paulo”. Em “Viagem à Província de São Paulo”, Saint Hilaire diz que os caipiras eram  “(...) homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos primários, não pensam: vegetam como árvores, como as ervas do campo.” Em Urupês, Monteiro Lobato corrobora as afirmações de Saint Hilaire, dizendo que “O caboclo é uma quantidade negativa”. Por sua vez, Carlos Rodrigues Brandão, em “Os caipiras de São Paulo”, explica que alguns desses caipiras paulistas são:  “(...) proprietários de terra e, estáveis, vivem uma vida de trabalho e cultura em bairros rurais; outros ‘vivem do trabalho em terra alheia’, ora como lavradores parceiros, ora como agregados, ‘camaradas’”.

Era um povo com a sua relação de poder de trabalho ligada ao “tradicionalismo agrário”, ao contrário da “política mercantilista” dos senhores de terra. Todas essas definições explicam a cultura caipira. O caipira que estudamos é um ser rico de tradições, crenças, cultura. Está inserido na caipira que estudamos é um ser rico de tradições, crenças, cultura. Está inserido na pluralidade da cultura brasileira e se relaciona com outras culturas. Está longe de ser o caipira descrito por Monteiro Lobato, Saint Hilaire e Câmara Cascudo. Mesmo assim, esse é o estereótipo que hoje sobrevive. Inezita Barroso, vai além: “Falar caipira é pecado. Chamar de caipira é pecado”.

O violeiro Almir Sater reforça essa afirmação dizendo “alguém falava: ‘o cara lá é caipira’. Esse respondia: ‘eu não sou caipira, não’. Isso era um preconceito”. Chamar alguém de caipira, na maioria das vezes, é uma ofensa. Isso vem a confirmar que, mesmo não condizendo com a realidade, o estereótipo de caipira é negativo.

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