Cultura

Cascatinha e Inhana: Os sábias do Sertão

Cascatinha e Inhana: Os sábias do Sertão

Por: Viola Show | Fonte: Boa Música - Ribeirão Preto - SP

13/02/2014

Francisco dos Santos nasceu em Araraquara, no interior do estado de São Paulo, no dia 20 de abril de 1919 e faleceu em São José do Rio Preto/SP no dia 14 de março de 1996; e Ana Eufrosina da Silva Santos nasceu em Araras, também no interior de São Paulo, no dia 28 de março de 1923 e faleceu em São Paulo/SP no dia 11 de junho de 1981: primeira Dupla Caipira formada por marido e mulher que, por sinal, “nasceram um pro outro”, como se diz popularmente. 

Francisco dos Santos nasceu na fazenda Cafelândia. Seu pai era carroceiro e tocava um pouco de sanfona. Órfão de pai aos 5 anos; sua mãe se casou novamente e ela deu à luz 5 filhos no primeiro casamento e 6 no segundo. Seu pseudônimo surgiu muito antes de sonhar com a carreira artística: aos 10 anos de idade, mudou-se para Marília-SP (na época, Alto Cafezal) e mais tarde mudou-se para Garça-SP; nessa cidade, cursando a Escola Primária, foi onde ganhou o apelido de “Cascatinha”, pois gostava de "cabular" aulas e ir tomar banho numa pequena cascata que por ali existia. 

Voltou para Marília algum tempo depois onde trabalhou como servente de pedreiro. Foi admitido na banda local, como percussionista (tocava caixa). Com seu apurado ouvido musical, assobiava os sucessos que ouvia no rádio e o Mestre-da-Banda os escrevia na partitura. 

Como baterista também animava os bailes da cidade num conjunto que era formado por músicos dessa banda. Nessa época, Cascatinha contava 18 anos de idade e passou por Marília o Circo Nova Iorque, que o admitiu como baterista. E aos poucos, foi revelando suas qualidades de intérprete, cantando Sambas e Serenatas e também fazendo dupla com o paraibano Natalício Fermino dos Santos, o Chopp, que também era trapezista. Resolveu também aprender a tocar violão. 

Há quem afirme inclusive que o apelido de Cascatinha se deve à Cerveja Cascatinha (apreciada por Noel Rosa, entre outros) que existia na época em que Francisco dos Santos cantava em parceria com o Chopp. 

E “parece que o destino estava traçado”: no ano de 1941, o Circo Nova Iorque passou pela cidade de Araras e, nessa cidade, Cascatinha conheceu uma jovem muito bonita nascida no lugar: seu nome era Ana Eufrosina da Silva, que cantava juntamente com sua irmã Maria das Dores no Jazz-Band de Araras. Seus dois irmãos, José do Patrocínio e Luiz Gonzaga (apenas coincidência de nome com o excelente Rei do Baião) também participavam do conjunto: um na bateria e outro no contrabaixo. 

"Quando vi aquele mulato tocando violão, me apaixonei..." 

Inhana rompeu um noivado de mais de um ano e seguiu com Cascatinha! Lógico que foi “contra a vontade dos pais, já que Artista de Circo, no conceito deles, "tinha um amor em cada praça", etc. e tal...” E, do namoro para o casamento (em 25/09/1941), passaram-se apenas 5 meses. De qualquer forma, o medo da família de Inhana não se justificou, pois o casamento foi sólido e feliz, durou 40 anos e só terminou com o falecimento da Inhana em 1981. No casamento, tiveram um filho adotivo chamado Marcelo José. 
Em 1942, aventurando-se no Rio de Janeiro, Ana Eufrosina, Cascatinha e Chopp formaram o Trio Esmeralda, que cantava em circos e também em programas de calouros, os quais eram apresentados por Paulo Gracindo e Ary Barroso, entre outros. Ganharam alguns prêmios em dinheiro, muito dos quais eram “bem vindos” na situação em que viviam. 

E a conceituada dupla nasceu no mesmo ano de 1942, após um desentendimento com Chopp em Volta Redonda-RJ, onde o trio fazia algumas apresentações. Cascatinha seguiu em frente com Ana, “rebatizando-a” de “Inhana”, uma corruptela de "Sinhá Ana", como são comumente chamadas as “Anas” no nosso interior. 
Ainda em Volta Redonda foram contratados pelo Circo Estrela Dalva e, entre diversas excursões pelo Brasil, atuaram também em outros circos e também no Parque de Diversões Imperial. Em 1947, quando o parque passou por Bauru-SP, Cascatinha e Inhana assinaram um contrato de um ano com a Rádio Clube de Bauru. Nessa ocasião, cansados que estavam de tantas andanças, acharam que “seria a hora de dar uma pausa”. 

E, em 1948, um novo rumo: a capital paulista. Contratados pela Rádio América, foram morar num "quarto e cozinha" no Ipiranga. Dois anos depois, foram para a Rádio Record, onde permaneceram por 12 anos. 

Em 1951, Raul Torres, (que Cascatinha e Inhana já conheciam desde os tempos em que tentavam a sorte no Rio de Janeiro), juntamente com Florêncio e Rielli, tinha um show marcado na cidade de Jundiaí; como Raul havia adoecido, sugeriu que Cascatinha e Inhana o substituíssem. E, nesse show, apesar do cachê razoável oferecido e que havia chegado "em boa hora", Cascatinha e Inhana interpretariam somente a célebre "Ave-Maria no Morro" (Herivelto Martins); no entanto, foram aplaudidos de tal modo que só conseguiram sair do palco após cantar mais uma meia dúzia de outros sucessos! 

E nesse mesmo ano, Raul Torres, quando soube do sucesso do casal em Jundiaí, convidou Inhana para fazer o acompanhamento vocal nas gravações das Modas de Viola "Rolinha Correio" (Raul Torres e Sebastião Teixeira) e "Pomba do Mato" (Raul Torres), na Todamérica, gravadora na qual Raul tinha boa influência. E, já no dia seguinte, o primeiro disco foi gravado: um 78 RPM contendo “La Paloma” (S. Yradier – Versão: Pedro Almeida) e “Fronteiriça” (José Fortuna), lançado em julho de 1951. 

José Fortuna, por sinal, era o compositor preferido de Cascatinha. 

No quinto disco, também na Todamérica, o maior sucesso da carreira da dupla: as duas conhecidíssimas versões de José Fortuna para as Guarânias Paraguaias “Índia” (M. Ortiz Guerrero e José Asunción Flores - Versão: José Fortuna) (Lado A) e “Meu Primeiro Amor (Lejania)” (Hermínio Giménez - Versão: José Fortuna e Pinheirinho Junior) (Lado B), disco esse que atingiu vendagem “astronômica” superior a 2.500.000 cópias!! Marco, na época, pois foi a primeira vez que um disco de Música Sertaneja atingiu tal vendagem. Um fato inusitado, diga-se de passagem, pois, nos anos 50, poucas pessoas tinham aparelhos fonográficos em casa. 
Tal o sucesso dos dois lados desse 78 RPM, que veio também o convite para participarem do filme, “Carnaval em Lá Maior” de Adhemar Gonzaga, em 1955, filme no qual Cascatinha e Inhana interpretaram os dois sucessos. 

E esse disco demorou a sair, porque o diretor artístico da Todamérica (Hernani Dantas) não o queria gravar pois não acreditava que fosse fazer sucesso. Além disso, ele também argumentava que a versão original em castelhano era conhecida demais, para surgir de repente com uma nova letra diferente. 

Na verdade, Hernani Dantas acabou cedendo aos pedidos insistentes dos ouvintes que escutavam as duas guarânias que o casal cantava ao vivo com freqüência na Rádio Record e que procuravam inutilmente os discos nas lojas, as quais, por sua vez, os encomendavam à gravadora! 

"Índia" e “Meu Primeiro Amor” também foram regravadas ao longo do tempo por grandes nomes da nossa Boa Música Brasileira, tais como Dilermando Reis (em solo de violão), Carlos Lombardi, Gal Costa, Nara Leão e Taiguara, apenas para citar alguns. 

Calcula-se que a vendagem de "Índia" e "Meu Primeiro Amor" tanto em 78 RPM, como em LP e CD, pode ter faturado algo como o equivalente à vendagem dos discos da dupla "Chitãozinho e Xororó" no auge da década de 80. 

Em 1954, receberam Medalha de Ouro da Revista "Equipe" e passaram a ser conhecidos como "Os Sabiás do Sertão", pelos recursos vocais e agradáveis nuances desenvolvidos pela dupla. A voz soprano de Inhana é considerada uma das vozes femininas mais perfeitas do Brasil. 

O casal "terçava" as vozes como fazem as Duplas Caipiras, porém, a beleza em particular do timbre das duas vozes, aliada à facilidade com que Inhana conseguia "passear pelas notas agudas", mais a sofisticação da "segunda voz" do Cascatinha e os arranjos instrumentais bem elaborados ("Serra da Boa Esperança" que o diga, conforme veremos logo abaixo) deram a Cascatinha e Inhana uma "liberdade incomum" para escolha do repertório, por sinal, um dos mais bem escolhidos, não só na música caipira, mas na boa música brasileira, de um modo geral. 

Foi uma carreira de 34 discos 78 RPM (com 68 músicas) e cerca de 30 LP’s, tanto na Todamérica como também na Continental. E não foram apenas versões de guarânias paraguaias: Cascatinha e Inhana também gravaram obras de grandes compositores brasileiros tais como “Guacyra” (Hekel Tavares e Joracy Camargo), “Quero Beijar-te as Mãos” (Lourival Faissal e Arsênio de Carvalho), "O Menino e o Circo" (Ely Camargo), “Flor do Cafezal” (Luiz Carlos Paraná), “Chuá, Chuá” (Pedro Sá Pereira, Marques Porto e Ary Pavão), “Colcha de Retalhos” (Raul Torres), e “Serra da Boa Esperança” (Lamartine Babo) – esta com um excelente acompanhamento de piano, orquestra e violinos em “Pizzicatti”, gravada na Chantecler/Continental!! Enfim, um repertório riquíssimo em canções de bastante lirismo, toadas, baiões, xotes, valsas, canções rancheiras e tangos brejeiros, além das famosas versões de músicas latinas, principalmente as já mencionadas guarânias paraguaias. 

A dupla ganhou também o Troféu Roquete Pinto em 1951, 1953 e 1954, além de seis Discos de Ouro que ganharam por vendagens de mais de 100.000 exemplares de seus discos. 

Cascatinha também ocupou durante um ano, o cargo de diretor artístico da gravadora Todamérica; na ocasião, lançou duplas famosas, como Nonô e Naná e Zilo e Zalo. 

Em 1978, no Teatro Alfredo Mesquita, em São Paulo, levam o espetáculo “Índia”, de bastante repercussão, contando sua trajetória artística, uma brilhante carreira e um maravilhoso casamento de 40 anos, que só teve fim com o falecimento de Inhana no dia 11 de junho de 1981, véspera do Dia dos Namorados: Inhana passou mal em um salão de beleza, quando se preparava para comemorar a data. E faleceu no Hospital Leão XIII em São Paulo.

Cascatinha continuou a se apresentar sozinho em Votuporanga-SP e depois em São José do Rio Preto-SP, onde veio a falecer em 1996, na Beneficência Portuguesa, vítima de cirrose hepática. Viu lançados pela Revivendo dois CDs: “Índia - Volume 1” e “Meu Primeiro Amor - Volume 2”, os quais reuniram 38 músicas de seus antigos discos de 78 RPM. A excelente gravadora paranaense também produziu os volumes 3, 4 e 5 (capa dos cinco CD's à direita) no mesmo estilo dos dois primeiros, formando um conjunto bastante representativo da obra de Cascatinha e Inhana, além do excelente encarte explicativo e dados fiéis do disco original, como acontece em todos os CD's da Revivendo. 

Cascatinha também chegou a lançar no ano seguinte ao falecimento de Inhana o LP "Canto com Saudade". E também participou de uma gravação de “Flor do Cafezal” (Luís Carlos Paraná) juntamente com Rolando Boldrin em 1982, pela RGE (hoje Som Livre). 

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