Cultura

Goiás sertanejo – de caipira a universitário

Goiás sertanejo – de caipira a universitário

Por: Viola Show - Ribeirão Preto - SP

03/04/2014

Escritor Edvan Antunes conta em livro a história da música sertaneja. Ele mostra que Goiás tem papel decisivo na popularização do gêneroDo tronco caipira, saiu o ramo do sertanejo romântico, que frutificou, especialmente em Goiás. Deste, surgiu outra ramificação: o universitário, com sua batida pop que, nos últimos tempos, flerta também – para o descontentamento de parte dos fãs - com o funk carioca. Mas a história da música caipira começa muito antes, no século 16, com a colonização do Brasil. Juntos com os portugueses,veio também um instrumento fundamental para o som caipira: a viola.

Os principais momentos históricos do gênero são re­montados pelo livro “De Cai­pira a Uni­ver­sitário: a história de sucesso da música sertaneja”, do escritor e publicitário Edvan Antu­nes. A obra, lançada recentemente pela Matriz Editora, resgata, em ordem cronológica, a história da música caipira por meio de relatos de pioneiros do sertanejo, das letras e de fotos. O livro ainda comenta a participação das mulheres na música, traz causos curiosos, até então inéditos, e detalha ainda a relação do universo caipira com o cinema.
“Pesquisei o assunto durante um ano: entrevistei radialistas, produtores, compositores, duplas do passado e do presente e também li sobre o assunto, apesar de não existir muita coisa publicada sobre o gênero”, relembra. Segundo Antunes, sua proposta é resgatar os elementos da cultura popular, a exemplo do que aconteceu com o livro “Frases de Pára-Choque de Caminhão”, uma de suas três obras publicadas.

O escritor comemora a boa vendagem do livro – cerca de cem exemplares por mês – e emenda uma crítica à valorização das produções estrangeiras em detrimento das nacionais. “O público brasileiro dá muito valor ao lixo cultural que vem de fora e chama de lixo aquilo que produzimos. O livro vai na contramão:  mostra que a música sertaneja é um gênero popular brasileiro que merece respeito”, avalia.Pioneirismo paulista
Se, atualmente, consumir o gênero é uma tarefa fácil, tendo em vista as músicas disponibilizadas na internet, os CDs distribuídos gratuitamente por artistas iniciantes e os canais alimentados pelos próprios cantores na web, nas primeiras décadas do século 20 a realidade era outra. Em um mercado fonográfico dominado por selos americanos, o sertanejo era visto com maus olhos.
“As gravadoras não queriam gravar os discos dos caipiras da época porque tinham preconceito”, justifica o escritor Edvan Antunes. Também fã do gênero – ele cresceu ouvindo por osmose Tonico & Tinoco, uma das duplas sertanejas de maior sucesso, nas emissoras de rádio de Goiânia, fieis companheiras de sua mãe – o publicitário admite que essa visão preconceituosa ainda persiste.
Os primeiros discos caipiras do Brasil se tornaram realidade graças ao folclorista Cornélio Pires, que, no interior de São Paulo, bancou do próprio bolso os primeiros registros fonográficos do gênero. “Ele saía de carro vendendo os discos pelas cidades do interior. No teto do veículo, Cornélio Pires colocava uma espécie de tablado que servia de palco para um catireiro dançar. O folclorista também tinha uma orquestra que fazia shows em teatros”, descreve Antunes, referindo-se aos artistas conhecidos como “turma caipira”.
A estratégia deu certo: foram mais de 25 mil cópias vendidas, mesmo sem a estrutura de uma gravadora. “O sucesso veio na base do ‘boca a boca’ e isso despertou o interesse do mercado fonográfico, até então alheio à música caipira”, pontua, referindo à gravadora RCA Victor, que criou um grupo para concorrer com o de Cornélio Pires: a “Turma RCA Victor”.Gênero periférico
Nos anos 1940, a música sertaneja ganha um novo fôlego com a dupla que se tornaria símbolo do estilo musical: Tonico & Tinoco, que venderam mais de 120 milhões de discos, uma marca “para causar inveja a astros modernos do pop internacional”, assinala, lembrando que graças a eles o gênero caipira saiu de São Paulo e chegou a outros estados, como Goiás (leia correlata).   
O interesse, porém, não se sustentou até os anos 1960. Sufocado por outras manifestações culturais, como a Bossa Nova, a Jovem Guarda, a Tropicália e os festivais, a música sertaneja passou a ocupar uma posição periférica. “Aquela foi uma época de contestação e de mudança estética e comportamental. A migração do campo para a cidade acabou modificando o perfil da população brasileira”, relembra.  
Ousadia paulista para renovar o gênero
Nos anos 1970, no entanto, o panorama muda. E com ousadia! A dupla paulista Leo Canhoto e Robertinho resolveu adotar o visual dos cantores da Jovem Guarda. A mudança não foi só estética - com o look hippie-pop e suas costeletas, óculos escuros, calça boca de sino -, mas também musical. Os artistas também apostaram nos diálogos de bang-bang, que antecediam as músicas.“Eles acabaram com a mesmice do gênero e foram criticados pelos próprios colegas e pelos roqueiros, porque pareciam que não eram nem uma coisa, nem outra. Foi algo semelhante ao que ocorreu, mais recentemente, com os artistas do sertanejo universitário”, analisa, lembrando que as famílias se reuniam para ouvir os LP’s.
No final daquela década, Milionário & José Rico gravam “Estrada da vida” e dão novo fôlego à música caipira. Outros momentos marcantes são o lançamento das músicas “Fuscão preto”, por Almir Rogério, em 1981, e “Fio de cabelo”, da dupla Chitãozinho & Xororó, em 1982, as primeiras canções sertanejas a tocarem nas emissoras FM do Brasil. Mas o sertanejo só se consolida no começo da década de 1990, com a dupla “Leandro e Leonardo”, contribuição dos goianos para o gênero que canta as emoções.O som caipira• Século 16: Chegada da viola ao Brasil, junto com os colonizadores. Instrumento foi utilizado para a catequização dos índios, mas acabou sendo usado, também, como meio de entretenimento.
• Anos 1930: Folclorista Cornélio Pires patrocina a primeira gravação de música caipira, no interior de São Paulo.
• Anos 1940: Dupla paulista Tonico & Tinoco faz sucesso e leva o gênero sertanejo a outros estados, como Goiás e Mato Grosso.
• Anos 1960: Enfrentando um tempo de efervescência cultural, o sertanejo passa a ocupar a periferia musical. 
• Anos 1970: A dupla Leo Canhoto & Robertinho tira o gênero sertanejo da mesmice, com um rompimento estético e musical – investem em roupas semelhantes à dos ídolos da Jovem Guarda e nas histórias de bang-bang que antecedem as canções.  Dupla Milionário & José Rico lança “Estrada da vida”, sucesso musical.
• Anos 1980: Duas importantes canções dão novo fôlego à música sertaneja: Fuscão preto, de Almir Rogério, e Fio de cabelo, Chitãozinho & Xororó.
• Anos 1990: Consolidação do gênero, com destaque para os cantores goianos, entre eles Leandro & Leonardo, Bruno & Marrone, Zezé di Carmargo & Luciano e Christian & Ralf.
* Anos 2000: Nascimento espontâneo do sertanejo universitário, fruto do acesso dos jovens de origem rural à universidade. A própria juventude do movimento confere a suas músicas uma batida pop. Destaque para as duplas João Neto & Federico, João Bosco & Vinícius, e para os cantores Luan Santa e Gusttavo Lima.

Publicidade