Catira
Catira
Por: Viola Show - Ribeirão Preto - SP
19/05/2014
"Eu comparo a mocidade
Como fogo que já apagô
A terra ainda esteva quente
Quando a cinza esparramô
A fumaça sumiu pro ar
Veio o vento e carregô
Assim fez a mocidade
Tão depressa me deixô"
(José Ferreira Macedo)Nas longas caminhadas pelo sertão, constantemente sem a
presença feminina, o boiadeiro desenvolveu, a partir do cateretê, uma dança
coletiva feita de pares que raramente se relam (tocam), numa coreografia de
palmeados, sapateados e saltos, demostrando toda sua energia, virilidade e
harmonia para a dama ausente. A mais fina flor do machismo. É o catira.
Curiosa a respeito dessa dança de peão, fui conhecer a
familia Macedo, os dançarinos mais atuantes de Barretos. Como sempre acontece
quando chego mais perto desse pessoal que ainda tem o rural muito presente em
suas vidas, encantei-me. Há mais de cinco gerações os Macedos tem o catira
preenchendo suas goras de lazer. O senhor José, autor dos versos que usei na
abertura desse texto, tinha 86 anos quando entrevistado.
Lúcido e interessado, quando percebeu que o assunto era
catira, veio sentar-se no banco da varanda onde conversávamos e declamou seus
versos, muito elogiados, feitos quando menino. Hoje de bengala, lembra que
dançou até aos 73 anos. Seu filho, Odair Paulo, o Totó também gosta de fazer
versos, toca viola e faz improvisos. O improviso é díficil porque são dois
violeiros, um completa o pensamento do outro. Totó explica que o umproviso pode
ser formado por um par de violas ou uma viola e um violão. A expressão "meu
pinho" ou "vamo pegá no pinho" nasceu porque originalmente as violas eram
feitas de pinho.
Como a de Totó que, a época, estava há 40 anos, só com ele. Com
o tempo, passou-se a fazer violas com cedro e imbúia, mas o melhor som é tirado
da viola de pinho. Outro filho de seu José, o Luiz Carlos ou Luís Braga, como é
chamado, é palmeiro do catira e responsável por comandar a coreografia quando o
grupo se apresente em shows, festas e na televisão, através dos contados feitos
por um dos netos, o Carlos Rogério. É bonito de ver como, nessa familia, os
mais novos respeitam os mais velhos.
Uma apresentação de catira dura 16 minutos, em média, mas o
tempo não é rígido. A formação ideal é a de um par de violeiros, dois
palmeiros, um contra-palma, um conta-auréola e um auréola, todos dançando em
sicronia e simetricamente. Apesar dessa sincronia do grupo, ocorre a
apresentação individual no meio da roda denominada lundum e sempre motiva aplausos
da platéia devido à competição que ocorre entre os integrantes.
O piso é importante: se for de cimento ou cerâmica pode
interferir porque o atrito esquenta as botas, pode racha-lás, os pés incham com
o calor e o som do sapateado não ecoa.
Se for de tábuas de madeira, devem ser bem pregadas para não
quebrar na hora dos saltos. É um espetáculo bonito de se ver. Alegre, ritmada,
o catira dá vontade de dançar. Quem não pode quer, pelo menos, bater palmas.
Difícil é não se deixar contagiar pela energia que circula no grupo de
dançarinos.
Numa apresentação, a dança pode ser entrecortada pela viola,
companheira inseparável do peão, para dar um descanso momentâneo aos
dançarinos. Quando a música tem versos humorístico e improvisados, chama-se
recortado. Trata de temas do cotidiano: moças, peões, montaria, animais, viola,
homenagens a pessoas presentes e filosofia de vida, como o verso a seguir, de
autoria de Totó:
"Tenho visto muito rapaz
Com pinta de fazendeiro
Usa guaiaca e não tem dinheiro
Pra mim tem ideia fraca
Não tem dinheiro, pra que guaiaca?
Os dançarinos de um grupo de catira vestem-se com as roupas
de peão: botas ou botinas, calça de sarja ou jeans, camisas xadrez ou
estampadas, chapéus de vaqueiro e lenço no pescoço. Tembém se percebe no modo
de vestir a influência do cowboy norte-americano. Hoje, com a influência da
televisão, a platéia está distante. Na tentativa de passar esse público a
emoção presente à dança, está havendo mudanças na coreografia e no ritmo dos
passos. Os mais puristas não aprovam. Assim como não aprovam o catira feminino.
Afinal, é a dança do peão de boiadeiro.
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