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Asa Branca é destaque no jornal Diário da Região

Asa Branca é destaque no jornal Diário da Região

Por: Fonte : Rodeio Magazine - Ribeirão Preto - SP

21/01/2014

O Renascimento de Asa Branca

Sua chegada ao recinto do peão de Guapiaçu é silenciosa e feita num carro de passeio. Em nada lembra as entradas triunfais nas arenas, feitas a bordo de helicóptero, com muita música e efeitos visuais. O homem que desce do veículo é ainda uma sombra da lenda nascida de sua voz potente, do seu talento nato para narrar montarias.

O que não muda é seu estilo cowboy, traje a caráter da cabeça aos pés com bota, fivela e chapéu. Mas que ninguém se engane, pois Asa Branca está voltando. Após seis cirurgias no cérebro para vencer a neurocriptococose (conhecida como doença do pombo) e uma meningite bacteriana surgida no meio dos 83 dias em que lutou pela vida no hospital, ano passado, Waldemir Ruy dos Santos, 51 anos, ensaia os primeiros passos para retornar ao centro do espetáculo.

“Fique à vontade, pode perguntar o que quiser”, diz Asa Branca, que chegou a pesar 54 quilos nos dias em que esteve internado. As primeiras palavras ditas à reportagem nessa entrevista exclusiva que ele concedeu, na última segunda-feira, em sua passagem pela região para fechar contratos de show, não são mero ato de cordialidade.

São fruto de quem sabe o alto preço a pagar por desafiar tantas vezes o perigo. Portador do vírus HIV, com duas válvulas na cabeça para controlar a pressão intracraniana após a “neurocripto” (como ele intimamente chama a doença), não fugiu a nenhuma pergunta. Admitiu que foi viciado em droga, contou como suas muitas aventuras amorosas o tornaram soropositivo, mas também falou de seus planos “para não ficar jogado às traças” e dar a volta por cima.

Milagre

As forças nesse caminho de volta são de duas fontes. Uma, a sua mulher, Sandra Santos, parceira incansável nos momentos mais difíceis para quem o marido “é o resultado de um milagre”. E a outra, a fé que o locutor afirma ter, tanto em Deus quanto em suas origens rurais.

“Houve momento em que pensei que fosse morrer mesmo, mas nunca perdi a fé de lutar, de querer viver, isso é o mais importante. Ali, na cama de um hospital, você pensa nas coisas boas, nas coisas ruins e chega ao intuito de que quer viver mesmo. Cheguei a dizer pra minha mulher: - Nem que seja pra estar numa cadeira de rodas o resto da vida, mas quero viver”, conta Asa Branca, que considera este seu quarto renascimento.

Além da doença do pombo, já havia escapado da morte em outras situações: o pisão quase fatal de um touro, o caminhão que capotou na descida de uma serra e o incêndio de um avião em pleno voo.

O ataque do touro foi na época em que era peão, em 1984. “Perfurou a pleura do pulmão e estourou um vaso do pâncreas, fiquei com hemorragia interna que atingiu o pâncreas também. Tive perto de morrer. Depois disso fui narrar montaria”, conta o “capitão”, apelido dado por amigos numa alusão ao bisavô Vicente, policial militar em Turiúba.

Já o avião incendiou-se quando ele sobrevoava uma fazenda perto de Presidente Prudente, no início dos anos 90. “O motor pegou fogo e fizemos pouso de emergência em Teodoro Sampaio. Foi a conta de descer e correr. Na terceira vez capotei um caminhão de som (usado nas festas) na serra de Santa Maria da Serra. Não sobrou nada”, diz Asa Branca, que simplesmente sorri ao relembrar o acidente.

“Tava eu e o Jaguara, parceiro meu. Só cortei as costas e ele machucou as pernas, mas em vista do que foi não aconteceu nada. O caminhão desceu 200 metros serra abaixo. Na segunda piruleta senti o parabrisa soltar e eu voei pra fora. Caí sentado na grama e ainda vi o caminhão capotando (gesticula e faz o som ‘pá pá pá’), fiquei olhando. Tem vinil meu jogado lá embaixo até hoje. Disco meu e do Tião Carreiro, enroscado na mata com os olhos desse tamanho.”

Drogas e mulheres

Asa Branca não tem dúvidas de que a mesma fama que o consagrou também, em certo sentido, foi sua inimiga. O caipira nascido em Turiúba, vendedor de picolé na adolescência, se viu catapultado para o mundo das estrelas. Suas aparições em Barretos, a partir de 1988, o projetaram para o sucesso e o levaram à Cidade Maravilhosa.

“De repente eu tava morando no Rio de Janeiro, fazendo novela. Faltou preparo, foi muito grande a evolução em pouco tempo. Do nada, eu me vi contracenando com Glória Pires, com o Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e outros atores da Globo. Isso, claro, mexeu comigo”, afirma o locutor.

Asa fez participações especiais na TV, nas novelas Mulheres de Areia, Selva de Pedra, Pantanal, Paraíso, Rei do Gado. Era presença constante no Som Brasil e no projeto Amigos (série de shows que reuniu duplas como Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó e Zezé Di Camargo e Luciano). Gravou 4 discos, tem 5 filhos de diferentes relacionamentos.

A fama cobrou seu preço. O HIV foi contraído em relações sexuais desprotegidas. “Chegava a ter oito namoradas por dia. Uma doideira pra mim, menino nascido na Turiúba”. Além disso, o vício em entorpecentes. “Viciei em maconha, usava como relaxante muscular. Mas só em maconha, que é natural, as drogas químicas só experimentei, eu condeno.”

O intelectual e o caipira no Barretão

Um é carioca. Sociólogo, com cátedra na mítica Sorbonne e ambicioso plano de governar o País. O outro é paulista de Turiúba, um showman das arenas. De poucos estudos formais, é mestre na arte de narrar montarias. Enquanto um “toureia” a inflação com o Plano Real que acabara de implantar, seu principal trunfo para faturar as eleições presidenciais, o outro desdenha do perigo e transforma em espetáculo os sete segundos que determinam o sucesso ou fracasso de um peão. Pois quis o destino que o caipira e o intelectual se encontrassem no templo dos rodeios, o Maracanã das arenas.

Era agosto de 1994, pouco antes do embate entre Fernando Henrique Cardoso e Lula nas urnas. E lá estava ele, o sociólogo no mundo dominado pelos brutos. Seu cicerone em Barretos não podia ser outro se não Asa Branca. Matuto esperto, que não dá ponto sem nó, o locutor fecha um trato com o presidenciável:

- Faz uma lei, regulamenta os rodeios e te apresento pra esse povão tudo que tá aqui no Barretão.Pedido feito, pedido aceito. E assim foi que FHC foi apresentado à multidão de chapéu, bota e fivela como “o novo presidente do Brasil”. Algo que se confirmaria logo mais, com a vitória do tucano sobre o petista. Eleito, cumpriu a promessa em 2002, quando promulgou lei que regulamenta a realização de rodeios e estabelece normas sanitárias para a proteção dos animais dos eventos.

“Sempre pensei nos peões. Quando botei Fernando Henrique dentro de Barretos foi em prol dos peões. Lembro que a Rita Lee queria acabar com o rodeio, criou frase na camiseta escrito ‘odeio rodeio’ e foi até na Hebe Camargo. Vi aquilo e ficou preocupado, então resolvi mexer pro lado da política.”

Cidade do Peão

“Mexer pro lado da política” não é força de expressão. Asa soube usar a fama em nome de sua causa, os atletas de rodeios, como gosta de dizer. Além de Fernando Henrique, se aproximou do então governador Mário Covas, quando o tucano se elegeu em 1995.

“Ganhei do Covas aprovação pro meu projeto, meu maior sonho, a Cidade do Peão. É um lugar com casas populares para os peões que pararam de montar. Infelizmente ele morreu (em 2001) e não teve outro político para continuar. Estou na luta ainda, não desisti.”

Na luta e na estrada. Por isso pede para divulgar a agenda de shows. Este mês estará, dia 26, na Estância Alto da Serra, Grande São Paulo, e dia 29, no rodeio de Santa Cruz de Monte Castelo-PR.

Clichê ou não, o fato é que Asa Branca pôde ver o filme de sua vida várias vezes durante os 83 dias em que ficou internado no hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Nos piores momentos pensou no início de sua carreira, em 1979, como peão. Ainda faz careta ao contar do pisão do touro que o tirou das montarias. Mas o que mais dói é o medo da solidão, do anonimato.

“Me vejo um pouco nos peões esquecidos, abandonados. Penso no futuro, né? O rodeio é um esporte tão bonito, tão bem conceituado e o peão, que é o maior protagonista, quando termina a vida fica jogado pras traças. Como era no futebol até alguns anos atrás, quando não eram valorizados.”

A sombra que o incomoda ganhou contornos recentes quando fez uma viagem até Três Lagoas-MS. “Fui fazer um rodeio lá e encontrei o João Monteiro Campos, conhecido como Cachoeira. Ele foi campeão de Barretos duas vezes e hoje não tem uma casa pra morar. Encontrei ele embriagado, abandonado, revoltado.

É duro ser tanto e no fim não ser nada”, desabafa.Se a melhor estratégia nesse caso é pensar no futuro, o futuro para o “capitão” das arenas começa agora. Asa Branca projeta um campeonato de rodeio, no qual se digladiariam os melhores peões. “Vou começar a trabalhar nisso junto com a Confederação Brasileira de Rodeio.

É um campeonato como tem a Associação de Rodeio da América (Rodeo Association of America - RAA), a Professional Rodeo Cowboys Association (PRCA) e a Professional Bull Riders (PBR). É uma espécie de ‘minicopa do mundo’ do rodeio em nível nacional, com etapas de Norte a Sul.”Loucura

Ousadia demais? Não para quem já foi chamado de louco pelas inovações que fazia e por apostar todas as fichas na “indústria breteira”. Foi ele quem levou a locução para dentro das arenas na Festa de Peão de Barretos, em 1986, numa época em que os narradores limitavam seu trabalho aos palanques.

Introduziu o microfone sem fio para fazer as narrações, sem medo dos desavisados que viram a novidade como truque barato de um dublador. “Antes de Asa Branca o peão não se manifestava, não dava entrevista, não tinha voz. Só montava, descia e não dava palpite em nada. Eu mudei isso.”

Foi ele quem criou versos recheados de rimas maliciosas e bem humoradas. “Morena, casa comigo que cê não passa fome,/ de dia cê come a cobra, de noite a cobra te come” foi o primeiro deles e lembrado até hoje.

De todas as suas criações, claro, a mais marcante sem dúvida alguma foram as aparições de helicóptero. Suas entradas cinematográficas, às vezes até saltando de paraquedas, deixavam a plateia em êxtase e atraía públicos cada vez maiores para as festas.

“Me chamavam de louco e hoje, em termos de público, a gente (do rodeio) ganha até do futebol. Em termos de público o rodeio hoje é o maior esporte do Brasil. Em Barretos, quando comecei lá, eu levava 7 mil pessoas, hoje é mais de 1 milhão.”

‘Se fosse animal, queria ser de rodeio’

A entrevista foi feita no ambiente que Asa Branca se sente em casa, um recinto de rodeio. O caubói que chegou dirigindo o carro ainda sofre com os efeitos do duro tratamento médico. A fala é pausada, em baixo volume e a coordenação das ideias por vezes um pouco desconexa. Porém, mostra que não perdeu seu senso crítico e também o bom humor.

“Passa a mão na minha cabeça”, pede ao repórter, já tirando o chapéu. “Sente as válvulas. O médico disse que eu poderia ficar com sequelas, mas graças a Deus fiquei perfeito do jeito que eu estava.” Sua defesa da profissão e do universo no qual convive há mais de 30 anos é firme. “Os que criticam não sei se não entendem o rodeio ou se são contra mesmo. Quanto a judiar do animal posso provar que isso não existe.

Foi feito teste com cavalo de rodeio, com touro, foram coletadas amostras antes de pularem e depois de pularem e nunca teve problema algum”, afirma. “Se fosse para eu ser um animal queria ser animal de rodeio, porque tem veterinário 24 horas, é cuidado o tempo todo. O teu touro leva o teu nome, então você quer sempre o bem daquele animal.”

Preconceito

Asa Branca também não esquece das agruras que já passou, num tempo em que os sertanejos não desfrutavam do prestígio de hoje.“Hoje é um mar de rosas, antigamente não. A própria música sertaneja cresceu muito. Se falasse que era sertanejo antigamente era duro. Os peões, quando chegavam na cidade pro rodeio, tinham que andar tudo junto. Não podia andar separado se não a polícia implicava, enquadrava. Não aceitavam o chapéu, naquela época havia preconceito e hoje o peão é ídolo”, diz o discípulo declarado de Zé do Prato. “Ele foi o começo de tudo.”

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