Música

Canções sobre carro, mulher e bebida movem um novo segmento, o "sertanejo ostentação"

Canções sobre carro, mulher e bebida movem os novos astros da música sertaneja

Por: Viola Show I Fonte: Globo.com - Ribeirão Preto - SP

15/01/2014

Carros de luxo, mulheres e bebida alcoólica de todo tipo, em quantidades sem limite. Festa sem hora para acabar. Uma temática que, no funk de São Paulo, deu origem à cena da ostentação — na qual quem brilha é quem pode bancar os caprichos, os seus e os dos outros —, tem se infiltrado com uma vistosa frequência num campo outrora dominado pela ingenuidade e pelo romantismo, o da música sertaneja. O reflexo está nos lançamentos dos astros que acabaram de despontar do interior para as paradas de sucesso do país: o paraense Israel Novaes, os goianos Thiago Brava e Cristiano Araújo e o gaúcho Gabriel Valim.

Em seus discos, essa vertente que, extraoficialmente, vem sendo denominada de “sertanejo ostentação”, se faz presente em algumas das faixas de maior sucesso nos shows, ao lado das indefectíveis canções com juras de amor à moda antiga. Subindo em palcos cada vez maiores, luminosos e repletos de aparato tecnológico, e enfrentando uma concorrência que foi acirrada pela internet, os herdeiros da velha música caipira partem para disputar o público em pé de igualdade — inclusive de linguagem — com os artistas das grandes cidades.
“Quem não tem dinheiro é primo primeiro de um cachorro.” A frase, forte, é de “Vem ni mim Dodge Ram”, canção cantada (e composta) por Israel Novaes. Depois de muito tocar nas rádios, ela volta em “Israel Novaes”, CD de estreia do artista pela gravadora Som Livre. O músico, de 23 anos, nasceu na cidade de Breves, no norte do Pará, e se mudou para Goiânia (terra de boa parte da atual música sertaneja de sucesso) para estudar Direito. Como muitos de seus colegas universitários, ele almejava ter uma caminhonete para fazer bonito entre as meninas. O desejo frutificou em música, o “Dodge Ram”, em que ele se imagina não só com o carro, mas também com bolso cheio e a mulherada correndo atrás.— Essa música é uma brincadeira que tem um fundinho de verdade, do cara que não pega ninguém até ter um carro. Compus sem muita pretensão, e ela foi funcionando — diz o cantor, que acabou por disputar o mercado sertanejo-automobilístico com outro sucesso, o “Camaro amarelo” gravado pela dupla Munhoz e Mariano. — O “Dodge Ram” começou acontecendo regionalmente e só depois estourou. É música para levar a galera para a balada, que chama a atenção e leva junto as minhas outras músicas.O fenômeno “Camaro amarelo” pegou em cheio Gabriel Valim, 31 anos, que nasceu no Rio Grande do Sul e começou a carreira aos 13 anos, fazendo pequenos shows em Santa Catarina.— Quando estourou o “Camaro”, eu pus o meu carro na garagem também, e fiz o “Audi TT” (dos versos “demorei, mas peguei o meu Audi TT/ as minas já piraram, agora vão enlouquecer”). Na música, tudo se copia e se transforma — filosofa Valim, que incluiu a canção em seu novo disco (também lançado pela Som Livre). — É como se fala lá no Sul: nego pelado não dança. Todo mundo quer ficar bem na balada. Por isso até fiz outra canção que está no disco, “Tipo Jurerê”, que é pura ostentação (“Ele é tipo Jurerê/ De Paco Rabanne/ É o fluxo/ Estilo Valentino”).O grande sucesso de Gabriel é “Piradinha” (“Ela não anda, ela desfila/ Quando chega na festa/ Arrasa na pista/ A galera olha/ Todo mundo quer pegar”), música, não por acaso, escolhida como tema de Valdirene, a caçadora de homens ricos da novela “Amor à vida”. O jogo interesseiro da paixão — mulheres deslumbrantes para ter a tiracolo versus homens com dinheiro — é o tema de vários sucessos do novo sertanejo. No DVD “Ao vivo em Goiânia”, do goiano Thiago Brava (que a Som Livre acaba de lançar no grande Brasil), está o sucesso “As mina pira (amigo do Neymar)”, música que fala em carro, dinheiro, fama e, outro elemento fundamental para a festa, a bebida (Desce um combo de Red/ Uma garrafa de tequila/ Que hoje eu tô pagando / Pra você e sua amiga/ Aí as mina pira…”).— Recebo muitas críticas, mas eu não sou poeta, meu negócio é fazer música para a balada — assume Thiago, 27. — Vim da internet, minha pegada era mais do funk. Aliás, vejo o dia em que o sertanejo vai gravar um funk ostentação.E quem também não escapou da vertente mulher + álcool foi Cristiano Araújo, 27 anos. Depois de alguns sucessos no que chama de “besteirol” (músicas de “duplo sentido e brincadeira”, como “Bará berê”), ele chega com o disco “Continua” (Som Livre). No lançamento, ele incluiu a agitada “É só chegar e beijar” (“Dançando em cima da mesa, virando um litro na boca/ É só chegar e beijar, elas tão loucas/ Dançando em cima da mesa, virando um litro na boca”).— Sempre busquei muito feedback no meu show, gosto de incluir coisas que não são do sertanejo, músicas que causam impressão. O preconceito só atrapalha a gente — defende Cristiano, que foi encontrar “É só chegar e beijar” no repertório das bandas de forró do Nordeste.Essa canção, como alguns outros sucessos da nova música sertaneja (de Gusttavo Lima, Humberto & Ronaldo e Maria Cecília & Rodolfo), é composição do forrozeiro cearense Jujuba, 24 anos. Reconhecido como o “poeta dos playboys”, ele também é fornecedor habitual de Israel Novaes — são dele músicas do novo disco do cantor, como o sucesso “Vó, tô estourado” (“Dezoito anos, não queria nem saber/ Só beber, curtir e farrear/ E quando eu chego, logo eu boto pra torar / Eu vou descendo caixa de Old Parr”) e outro clássico automotivo, “Carro pancadão”.— Qual é a mulher que não quer estar numa festa boa, num carro bom? — pergunta-se Jujuba. — O principal motivo de essas músicas funcionarem é o fato de que elas falam da realidade. Se amanhã o pessoal estiver andando de nave espacial, eu vou fazer uma música sobre isso.Para Jujuba, o tema da ostentação é algo que surgiu espontaneamente na festa do forró.— Em toda balada existem os reis do camarote, que ficam com as meninas — diz. — E o sertanejo hoje é uma junção de muitos estilos.Geração pós-sertanejo universitárioIsrael Novaes, Gabriel Valim e Cristiano Araújo são as figuras de ponta da primeira geração pós-sertanejo universitário, de nomes como Luan Santana e Michel Teló, que rompeu de vez com as barreiras sonoras e temáticas da música do interior, que usou e abusou da internet e que abriu o precedente dos artistas solo, em oposição às solidárias duplas.— Dupla só dá certo quando é irmão. Como eu não tinha irmão da minha idade, tive que me virar sozinho. Agradeço muito ao Luan por ter aberto essa porta para todo mundo — diz Gabriel Valim, que começou a perseguir o sucesso usando apenas seu primeiro nome. — Mas aí tinha Hugo Pena e Gabriel, Gabriel Gava (que gravou a automotiva-satírica “Fiorino” — “De Land Rover é fácil, é mole, é lindo/ Quero ver jogar a gata no fundo da Fiorino”). Era muito Gabriel. E quando minhas músicas tocavam no rádio, ninguém dizia de quem era aquela gravação. Por isso, botei também o Valim e comecei a falar meu nome no meio das músicas. Foi um lance de puro marketing.Mas nem sempre o marketing puro e simples basta. Na cena sertaneja do pós-universitário, a concorrência vinda de todos os pontos do Brasil faz com que o poder econômico dos artistas se torne decisivo. Clipes superproduzidos (em barcos, com muitas mulheres bonitas), palcos com painéis de LED, jatinhos para se locomover entre os vários shows que fazem por mês (algo entre 22 e 25) são a ostentação necessária para o astro.— Para se ter uma receita bacana, é preciso gastar cada vez mais — admite Cristiano Araújo, um da turma do jatinho que, depois de passar pelo escritório Talismã, do cantor Leonardo, agora tem sua própria empresa. — Com essa quantidade de artistas que surgem na internet, o custo de promoção de uma música nova aumentou muito.Onda pode durar poucoGerente artístico da Som Livre, Fernando Lobo acredita que possa haver uma reversão nessa vertente ostentatória dos novos artistas do sertanejo.— A gente está absorvendo e apoiando essas músicas, mas a verdade é que as rádios não estão mais tão dispostas a tocá-las quanto antes. Se não houver uma mudança no papo, pode ser que essa onda não dure muito mais — analisa. — O sertanejo está se tornando o novo pop do Brasil. Existe hoje uma transição dos artistas para uma sonoridade mais próxima àquela do Coldplay e do Jason Mraz, deixando as sanfonas e as músicas de pegação e de afirmação um pouco de lado.E quem for procurar material romântico com sonoridade pop nos discos de Israel Novaes, Gabriel Valim e Cristiano Araújo irá encontrar muitas canções. Todos eles ambicionam uma carreira baseada em músicas sobre o amor mais puro, para além da balada.— Essas músicas de carro e mulher foram uma forma de chegar ao público, agora quero que as pessoas conheçam o meu trabalho por inteiro — diz Israel, apostando no sucesso da sua composição “Beijo meu”. — Não sei se esses sucessos vão durar ou não. Mas também nunca vou entrar numa de fazer canções para uma elite. Não acredito em música que escolhe público.— Depois do sertanejo universitário, a música romântica não é mais tão melada quanto antes — acredita Gabriel Valim. — Ela não deixa de ser sertaneja, é só mais moderna.

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