Chitãozinho e Xororó lançam CD em homenagem a Tom Jobim: "Ele era mais sertanejo que imaginamos"

Dupla resgatou músicas do maestro com temáticas voltadas ao mundo rural

A união da urbana bossa nova com o rural estilo sertanejo pode parecer improvável à primeira vista. Mas quando o assunto é música, não existe uma fronteira que impossibilite fusões. Amparados por essa lógica, Chitãozinho e Xororó resolveram gravar o projeto mais arriscado da carreira: um disco com recriações de músicas de Tom Jobim. Com o nome de Tom do Sertão, o álbum foi programado no início de 2014, quando os irmãos começaram a pesquisar a obra do cantor carioca e notar que ele havia composto dezenas de músicas com temas ligados à natureza e ao sertão. Como já eram fãs de Tom, Xororó garante que não foi difícil conceber a gravação de um CD só com releituras da obra do maestro.? Ficamos receosos no começo, porque queríamos gravar um CD que estivesse à altura da importância de Jobim. Nosso maior medo era desrespeitar a obra dele. A intenção de Chitão e Xororó era não soar artificial, ao mesmo tempo em que faziam uma ponte que aproxima a bossa nova do sertanejo como nunca havia sido feito antes. Afinal, Tom Jobim já ganhou versões em todos os estilos, mas de sertanejo ainda não tinha acontecido. Chitão explica que existia a vontade de acabar com esse estigma.? Tom já foi gravado no mundo todo, pelos mais diversos ritmos. Mas aqui, jamais alguém arriscou fazer uma versão em sertanejo. Não existe nada que impeça, desde que seja bem executado. É assim que enxergamos. Apesar dessa afirmação, um fator poderia ter sido impeditivo ao projeto: a possível recusa da família em liberar os direitos para a gravação. As coversas da equipe com os parentes de Jobim foram tensas no início. Mas quando enviaram as primeiras músicas gravadas para a viúva Ana Jobim, o sinal verde para o CD foi aceso. O produtor Edgard Poças explica, inclusive, que a esposa do cantor ficou surpresa com o resultado final e com a resgate de A Chuva Caiu, música que ela ainda não conhecia.? Enviamos as primeiras faixas finalizadas para ela e não sabíamos o que esperar. Ela não só gostou, como elogiou o trabalho de pesquisa, que trouxe à tona músicas pouco conhecidas do maestro.  O disco Tom do Sertão será lançado em CD e vinil no Brasil e em outros países da América Latina e Europa. No primeiro semestre, será gravado um DVD em um dos 15 shows que serão feitos da pequena turnê programada para divulgar o disco. Ao todo, são 14 músicas, sendo a maioria relacionadas com o universo rural, como Correnteza, Chovendo na Roseira, Caminho de Pedra e A Chuva Caiu. Mas há outras sem a menor relação com esse universo, casos de Eu Sei Que Vou Te Amar e Se Todos Fossem Iguais a Você. Xororó revela que as gravações duraram sete meses e foram realizadas em nove estúdios.? Estudamos muito a questão dos arranjos com o Ruriá Duprat e o encaixe das vozes dobradas, que não existiam nas versões originais. Escolhemos só músicas que se adequassem a essa particularidade. Para mim, não foi tão difícil, porque a primeira voz acompanha a melodia. Já para o Chitão, que precisou acompanhar a harmonia elaborada das músicas, foi um grande desafio.Preconceito e aceitação Em uma entrevista antiga à revista Istoé, o produtor, escritor e compositor Nelson Motta disse que o sertanejo "era um zero absoluto em harmonia, melodia e composição". Chitão e Xororó lembram da declaração sem ressentimento e concordam que, atualmente, o gênero está repleto de artistas que não se esforçam em apresentar trabalhos inovadores. ? Quando a gente envelhece, pode arriscar mais. Por isso temos gravado tantos projetos elaborados e demorados, como esse e o DVD sinfônico. Sei que não é possível para qualquer artista se dar ao prazer de criar com a calma. Principalmente nessa fase negativa pela qual as gravadoras passam. Mas também não entendemos como artistas aceitam gravar qualquer coisa em busca do sucesso. Há muita coisa mal feita no sertanejo e que só serve para reafirmar o que Nelson Motta disse. Lulu Santos também já falou isso. Mas tanto Nelson quanto Lulu nos respeitam.  Com essas afirmações, Chitão e Xororó buscam mostrar que músicos mais conscientes já aceitaram que é difícil fugir da influência rural quando o assunto é música brasileira. De Tom Jobim a Raul Seixas, passando por Tim Maia e Erasmo, o som e os temas do sertão são quase onipresentes no cancioneiro popular. ? O Brasil é rural. Não tem como fugir disso. Até o Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, reconhece essa realidade. É preciso um olhar menos urbano ao analisar a música brasileira.